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Terça-feira

Aqueles que já projectaram espaços públicos ou que trabalham em câmaras municipais têm sempre histórias de vandalismo para contar. Chega a surpreender a quantidade e diversidade dos actos que se cometem contra a propriedade pública, desde roubo de mobiliário urbano – não apenas bancos mas também papeleiras, material de iluminação pública e muitos outros – a roubo de plantas de jardim, passando pela destruição de sinalética, quiosques, brinquedos infantis e tudo o que se possa imaginar.
Se alguns casos estão associados ao uso abusivo da população mais jovem e mesmo a situações de delinquência, verificam-se muitos outros em que a explicação é bem diversa: um fenómeno cultural indiferente da idade, que se revela numa profunda desvalorização daquilo que são os bens públicos, como se o que a todos pertence fosse pertença de ninguém. Dito de outra forma, aquilo que nos é dado, não tem valor.
Para compreendermos o vandalismo temos de reconhecer os factores de carácter nacional que conduzem a população a esta atitude de desvalorização da coisa pública (bem diferente, diga-se, da atitude dos nossos vizinhos espanhóis que aprenderam a valorizar tudo aquilo que respeita ao espaço público). Em Portugal observamos aquilo que poderíamos definir como uma falta de sentido de patriotismo: um valor quase sempre polémico e associado a manifestações de nacionalismo bacoco, de contornos que mais parecem vindos do tempo do salazarismo. Afinal, uma falta de patriotismo entendido como o sentido de gosto em pertencer a um país com origem(ns) e cultura(s), valorizando-as.
Tudo isto se reflecte, depois, no excessivo individualismo dos portugueses, e mesmo o egoísmo com que despudoradamente alguns assumem a sua forma de estar na vida. É um individualismo que começa em casa, na educação de cada um. Algo que eu definiria como a antítese da atenciosidade. É ao servirmo-nos à mesa não tirar o bife mais suculento, deixando-o para outrem e retirando o mais esturricado, é ao ir buscar um copo de água perguntar se há mais alguém com sede. Depois em tudo o resto, no modo como nos comportamos no trânsito, ou na fila do supermercado, ou como atendemos alguém no nosso local de trabalho.
A atitude individualista dos portugueses é, de resto, um dos maiores atentados que cometemos à democracia, porque ela se sustenta mais na união cívica dos cidadãos em torno de causas do que na mera execução do voto eleitoral.
Regressando ao tema inicial, julgo ser esta atitude de desvalorização de um sentido comum que nos facilita o gesto de menosprezo para com os espaços públicos, em que não reconhecemos algo que nos qualifica a todos e nos deveria valorizar enquanto cidadãos. É, afinal, toda uma educação que está por fazer. Para que, mais que reclamar, os cidadãos compreendam que também lhes é devida a participação no cuidado e na manutenção das coisas que são de todos.

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