Arrendamento: o odioso da questão

O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) entrou em vigor em Junho deste ano. Esta lei introduziu novas regras para os contratos de arrendamento, tendo como um dos seus aspectos mais importantes a criação de um mecanismo de actualização das rendas. Esta semana uma notícia do Diário Económico veio dar conta da paralisação desse procedimento, do qual depende a subida dos valores de renda do aluguer de imóveis que estão, em muitos casos, desfasados da realidade económica e impedem os seus proprietários de realizar as obras de conservação a que estão legalmente obrigados.

A nova lei estipula que os senhorios poderão aumentar as rendas, gradualmente e dentro de limites definidos. O seu valor de actualização resultará da avaliação fiscal do imóvel pelas Finanças (realizada há menos de três anos) e do seu nível de conservação. A classificação do nível de conservação é determinada mediante vistoria a cargo das Comissões Arbitrais Municipais (CAM), que deverão ser compostas por:
a) um representante da câmara municipal, que preside;
b) um representante do serviço de Finanças;
c) um representante dos senhorios, nomeado pelas associação de senhorios;
d) um representante dos arrendatários habitacionais, nomeado pelas associações de arrendatários;
e) um representante dos arrendatários não habitacionais, podendo este ser nomeado por associações representativas de interesses económicos;
f) um representante da Ordem dos Engenheiros;
g) um representante da Ordem dos Arquitectos;
h) um representante da Ordem dos Advogados.

Vale a pena ler o emaranhado burocrático que envolve a criação e funcionamento destas Comissões Arbitrais Municipais. Sendo a actualização das rendas um dos aspectos cruciais da nova lei, qual a justificação para este procedimento específico depender de um organismo com estas características?
De acordo com o Diário Económico, uma fonte da secretaria de Estado da Administração Local vem agora afirmar que “cabe à autarquia ponderar se se justifica a criação de uma CAM tendo em conta o número de arrendamentos antigos no município”. Alguém diga na lei onde é que isto está escrito.

Não será a classificação do nível de conservação de imóveis uma questão de ordem meramente técnica? Se sim, quem tem competências para a realizar? Um arquitecto? Sim! Um engenheiro? Também! Um membro das Finanças? Eventualmente, talvez.
Nesse caso, três pessoas chegam. Para quê fazer depender essa avaliação das pesadas CAM se as Câmaras (em colaboração com as Finanças) as podem realizar mediante uma vistoria relativamente simples? A menos que não se considerem estas entidades como idóneas para esse fim, o que é inaceitável. E ridículo, mediante o reduzido grau de complexidade do problema em causa.

Sinceramente, não consigo imaginar as Ordens dos Engenheiros, Arquitectos e Advogados delegar representantes - porque membros não são representantes, ou são? - para deliberar sobre vistorias feitas amíude para lá de Bragança ou nos confins do Alentejo? Não estando definido na lei quem vai pagar os custos destas comissões, é natural que todos se encolham. Mas será isto o que está verdadeiramente em causa? Será credível que numa lei que foi tão vista, revista e escrutinada, tudo isto não passe de um erro do legislador?

O que se passa, parece-me, é que ninguém está disposto a pagar os custos políticos da aplicação da nova lei. Porque há no meio de tudo isto o odioso da questão: existe um parque habitacional de arrendamento afecto a rendas baixas que providencia habitação a um vasto grupo de pessoas, maioritariamente idosas, que de outra forma talvez não tivesse onde habitar. Não querendo assumir os custos sociais de uma reforma necessária, o Estado prefere fazer previdência à custa dos senhorios. Com uma deliciosa nuance: incentiva estes últimos a proceder à parte da lei que já funciona: a avaliação das Finanças. Para começar, desde já, a pagar o IMI revisto à tabela. A bem da nação.

1 comentário:

  1. Mas o ainda mais odioso da questão é a faculdade dada aos inquilinos, depois de roerem a carne aos senhorios com rendas miseráveis durante dezenas de anos, ´de poderem adquirir por valores simbólicos a habitação, passando a proprietários. Golpe mágico. O Governo inventou uma forma de acabar com as rendas miseráveis: Mandou para a "vala comum" o que restava dos ossos do senhorio, expoliando-o e substituindo-o pelo explorador, depois de o ter obrigado a vegetar durante o vínculo eterno do contrato, com rendas de miséria.
    Mais monstruoso não se encontra. Acreditamos que os tribunais tenham o bom senso de considerar a lei inconstitucional, nesta parte, sob pema do socialismo marxista, de subliminar, subverter a Constituição, legitimando o saque.
    Alberto Pontes, advogado

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