Carlão+Vhils: A Minha Cena







É o videoclip de A Minha Cena, a mais recente música de Carlão, e foi realizado pelo street artist português Alexandre Farto aka Vhils. Uma viagem cinemática através de diversas paisagens urbanas de Lisboa e da Margem Sul, lugares que fazem parte do passado dos dois artistas, com destaque para o trabalho de montagem de André Santos. Para ver no sítio web da produtora Solid Dogma ou mais abaixo no post, depois do salto. Via Underdogs.

Denise Scott Brown on Architecture's Star System



Architecture is by far not all design, but the act of designing itself is not all design. Half of it is analysis. And there’s room for creativity in analysis. And if you haven’t been creative about analyzing your problem, you probably won’t be very creative about designing it either.

— The Architectural Review: Denise Scott Brown on Architecture’s Star System.

Em entrevista para a The Architectural Review, Denise Scott Brown reflecte sobre os efeitos que a opacidade do discurso da crítica tem na ascensão de um sistema de vedetas individuais e na importância de valorizar outras formas de participação na profissão, em particular através da criatividade colaborativa na arquitectura.

In an interview with The Architectural Review, Denise Scott Brown reflects on architecture’s star system as the product of an enclosed critical domain, reinforcing the importance of valuing collaborative creativity as a fundamental part of architectural practice.

João Vilanova Artigas +



Artigas era um homem inquieto e acreditava que a única maneira da arquitetura proporcionar mudanças significativas para a sociedade seria através de alguma relação política. Caso contrário, o conflito entre as classes jamais seria resolvido. A política deveria, portanto, ser visada como um componente intrínseco na arquitetura e essa associação entre ambos era um atributo que todo arquiteto deveria reconhecer e almejar em seus trabalhos. Com isso, Artigas passa a considerar em seus projetos a função social do arquiteto, sempre enfatizando a arquitetura como crítica à realidade.

Le 6ème au 7ème: João Vilanova Artigas.

João Vilanova Artigas
No blogue Le 6ème au 7ème, um texto da blogger Mariana Magalhães Costa sobre um dos mais importantes arquitectos modernistas brasileiros.

La Crisis de la Forma
Debate promovido pela Trienal de Arquitectura de Lisboa que teve lugar no passado dia 13 de Novembro no Colegio Oficial de Arquitectos de Madrid, contando com as participações de André Tavares (comissário da 4ª edição da TAL), Juan Coll-Barreu e Nicolás Maruri.

The Case of the Disappearing Air-handling Units
Acerca da polémica gerada pelo artigo de Blair Kamin no Chicago Tribune, o blogger John Hill deixa uma reflexão sobre as questões éticas que se colocam à prática da fotografia de arquitectura.

A poetic vision of Paris’s crumbling suburban high-rises
O texto é curto e algo simplista mas vale pelas notáveis imagens destes fascinantes objectos de arquitectura registadas pelo fotógrafo Laurent Kronental; a motivar certamente uma reflexão crítica mais profunda. O seu trabalho vai estar em exposição em Paris, na Bibliothèque François Mitterrand, a partir de hoje, até Fevereiro do próximo ano. Via 7 Deadly Mag

Unprepared for Practice?
O jovem neo-zelandês Thomas Denhardt interroga-se se as escolas de arquitectura estão a preparar bem os seus alunos para as questões práticas da profissão.

O tempo das bibliotecas privadas está a acabar
Artigo de José Pacheco Pereira, inicialmente publicado na revista Sábado, acerca das razões sociais que estão na base do declínio das bibliotecas particulares e familiares.

The Benefits of Installing a Little Free Library In Your Front Yard
Nesse grande manual de sobrevivência para homens de barba rija (e não só) que é o The Art of Manliness, um artigo sobre os benefícios de instalar uma pequena biblioteca gratuita à porta de casa.

Ian McKellen: “The Journey Goes On”
No The Talks, a entrevista com esse senhor do teatro e do cinema, actualmente com setenta e seis anos.

O que a Natureza ensinou a um rapaz de Lisboa
Entrevista do Público a Alfredo Cunhal Sendim, o homem por detrás da Herdade do Freixo do Meio e uma figura de referência no campo da agricultura biológica. Via Quinta do Sargaçal, a quem roubei descaradamente o formato desta link bomb.

E finalmente, para os que leram até ao fim, fica o registo de que A Barriga De Um Arquitecto completa hoje doze anos de existência. Obrigado a todos os que continuam a acompanhar o blogue.

Uma mão-cheia de Tumblr-blogues portugueses

Image credits: Artur Pastor.

O Tumblr continua a ser uma das mais fáceis plataformas para construir e gerir um blogue. Com os anos tornou-se também um ecossistema muito particular dentro da blogosfera, sendo ocupado por gente um pouco desalinhada dos modelos correntes de participação nos blogues e nas redes sociais. Vale a pena percorrer os seus recantos em busca de inúmeros autores portugueses que fazem daquele o seu espaço de expressão pessoal. Esta é só uma pequena amostra…

Lisboetas é a página institucional dirigida pela Câmara Municipal de Lisboa que se dedica a partilhar detalhes da vida da cidade. Tem por base um vasto conjunto de fotografias do acervo municipal, imagens antigas e contemporâneas captadas por autores diversos, postais e publicações ilustradas, entre outras fontes.

Artur Pastor, o blogue dedicado a este fotógrafo português nascido em 1922, dá a conhecer o rico espólio fruto do seu trabalho que foi adquirido, quase na sua totalidade, pelo Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, em 2001. Os arquivos fotográficos de Artur Pastor contêm largos milhares de fotografias, a preto e branco, diapositivos a cores e negativos a cores. Para além da cobertura de todas as regiões continentais e insulares do país, constam colecções de várias províncias de Espanha e Itália e das cidades de Paris e Londres.

Old old Lisbon Project, fotografias e memórias da cidade de Lisboa.

Sombras de Alguém, uma colecção de rolos por revelar encontrados dentro de máquinas antigas e de negativos perdidos da feira da ladra. Sim, é tão bom como a descrição faz supôr.

Ilustração Portuguesa, dedicado a partilhar digitalizações de revistas antigas.

The Portuguese Affair, depositário de imagens relativas a Portugal.

Danny Ivan, um super-talentoso artísta gráfico português.

Novas Palavras Novas, palavras novas, basicamente. Este têm mesmo de ver!

Alexandre Farto (aka Vhils), o Tumblr do street artist português que toda a gente sabe quem é.

Get This Fresh One!, arte urbana nas ruas de Lisboa.

E estes – fotoblogues, artísticos, temáticos, pessoais, há de tudo um pouco – entre tantos, tantos outros: FotoBen (do meu amigo Benjamim Silva), Farinha Amparo, Chainho Photography, Pedro Quintas, The Tilerist, I Love Bairro Alto, Under a Warm Light, Chasing After Magic, The Seven Hills Of Lisbon, C5S, Andrezfilipe, Secondlook, Mariana Valle Lima, Plain And Pale, Ivan Saraiva, Andrajos, Formas Críticas, Lisboa.Drogada, Nada Acontece, Fila Indiana, Mesineto, Something Different From This, A Tartaruga Nos Alpes, Erosion And Regeneration, Água, Mariana, A Miserável, Cataplano, Ilford Street, Joana Estrela, Joana Avillez, Luis Cavaco, Quebra-Costas, Lisboa, Menina e Moça, O Meu Colega De Casa Mudou-se E Eu Criei Um Blog

E para descobrir muitos mais, nada como acompanhar O Blogue [oficial] da Equipa do Tumblr de Portugal.

O arquitecto descalço



Auto-retrato de Álvaro Siza. Via El Mundo, Afasia.

Viagem ao fim do mundo



Aqueles que têm acompanhado o desastre do Rio Doce – de que escrevi aqui – não devem perder o artigo publicado hoje no sítio web Jornalistas Livres; ler Do Lucro À Lama: uma viagem de Mariana ao fim do mundo. Trata-se de um verdadeiro trabalho de grande reportagem, muito bem escrito e documentado, que faz o retrato completo dos antecedentes da tragédia, da influência política das empresas envolvidas, dos avisos ignorados e da extensão da catástrofe ambiental que está a ser vivida pela população do estado de Minas Gerais. Chocante mas obrigatório.

Antes que tudo acabe



Este texto contém spoilers sobre o filme Before Midnight de Richard Linklater.

Jesse acompanha o filho pré-adolescente no aeroporto, momentos antes de este embarcar para uma viagem de volta aos Estados Unidos, para junto da mãe. Depois de uma breve conversa, o pequeno Hank despede-se do pai e desloca-se para a porta de acesso ao avião. Jesse fica a olhá-lo seriamente enquanto este pousa a mochila na passadeira rolante, atravessa o posto de segurança, recolhe a bagagem e segue o seu caminho, sem nunca olhar para trás.
Assim começa Before Midnight, o terceiro filme de Richard Linklater dedicado ao par romântico protagonizado por Ethan Hawke e Julie Delpy. E começa, exactamente, por aquele olhar.

Em Hank podemos reconhecer a autonomia precoce presente em alguns filhos de casais divorciados. Um rapaz que aprendeu a preencher o vazio deixado pelos pais, ora ausentes ora demasiado ocupados a lidar com os seus fantasmas. O tipo de rapaz que porventura acorda por si próprio, que talvez prepare o seu pequeno-almoço, talvez vá para a escola sozinho. Que, acima de tudo, aprendeu a construir uma certa forma de independência emocional e que, quando as coisas correm mal, guarda os segredos dentro de si.

Jesse pressente a necessidade de acompanhar o crescimento do filho, fruto do seu primeiro casamento, naqueles anos decisivos que o levarão da adolescência à juventude. De volta ao carro, com Celine a seu lado e as filhas gémeas de ambos dormindo no banco de trás, Jesse revela, por entre uma conversa casual, a sua preocupação com Hank. E diz de passagem, num misto de incerteza e sentimento de culpa, que talvez devesse estar lá, junto dele.

A articulação dúbia de Jesse contrasta com a reacção implacável de Celine. Essa é a bomba relógio que vai destruir as nossas vidas – réplica que ele cedo desconsidera como pouco mais do que uma exaltação histérica.
É certo que Jesse não verbaliza a decisão de ir viver para os Estados Unidos, arrastando consigo a sua companheira e as duas filhas, para uma vida em tudo diferente daquela que construíram em Paris. Em boa verdade, ele não o consciencializou ainda – mas a necessidade já lá está, dentro de si, desde aquele momento em que viu partir Hank no aeroporto. Algo que Celine, com superior inteligência emocional ou simples intuição feminina, denuncia com desassombrada clarividência.




É a tensão latente naquele primeiro diálogo que está no centro da discussão que ocupa o longo acto final de Before Midnight. Um confronto que em tudo se distancia daquilo que conhecemos da relação de Jesse e Celine, a partir dos dois filmes anteriores. À semelhança do que nos trouxe com Boyhood, Richard Linklater não perde tempo com grandes gestos melodramáticos. Trata-se apenas de abordar o desenrolar de um conflito de forma despojadamente realista; um conflito em que ninguém tem inteira razão sobre o outro e onde, acima de tudo, ninguém tem culpa.

Jesse não tem culpa de querer estar presente no crescimento do seu filho em anos decisivos da sua vida. Celine não tem culpa de querer manter a sua identidade profissional, sabendo-se, do segundo filme, ter odiado a sua curta experiência de vida em Nova Iorque – sendo fácil presumir que uma educação no seio da cultura americana seria a pior coisa que poderia almejar para as suas filhas.

Ninguém tem culpa e, no entanto, o dilema aí está – que para poderem ficar juntos alguém terá de ceder e, em qualquer dos casos, terão sempre de viver com as consequências das suas escolhas; e porventura o ressentimento por aquilo de que abdicaram.
Aqui reside a genialidade de um filme que nos fala das complexas circunstâncias que podem conformar o destino de uma relação: que os objectivos de vida de ambos possam não ser inteiramente compatíveis com o amor que sentem um pelo outro. No meio do furacão elevam-se muralhas de defesa e atacam-se sem tréguas; ele minimiza as aspirações de carreira de Celine; ela lança acusações de infidelidades passadas – algo que Jesse nunca chega a desmentir – para dizer por fim que já não o ama. E eis que, por momentos, tudo parece perdido.

Se há uma verdade a extrair de Before Midnight é que, ao contrário do que nos dizem mil e um filmes românticos, o amor não conquista tudo. Por isso é tão mais bela aquela última cena, noite adentro, à beira-mar. Que o destino é um lugar incerto e o amor, para persistir, pode ter de ser resgatado de todos os desencantos e reajustamentos, tão próprios da vida adulta.

Lá em cima





Novas imagens captadas pela sonda New Horizons durante a sua passagem por Plutão, desta vez registando a textura do distante planeta-anão com grande detalhe. A paisagem dramática revela o efeito de complexas forças geológicas, contrastando a extensa planície gelada do Sputnik Planum com a região montanhosa de al-Idrisi. Via Gizmodo e NASA.

A tragédia do Rio Doce (2/2)



No passado dia 5 de Novembro duas barragens de contenção de resíduos de uma exploração mineira situada na região de Mariana, município do estado brasileiro de Minas Gerais, colapsaram, libertando 50 milhões de metros cúbicos de lamas contaminadas. [1/2]

As águas contaminadas do Rio Doce chegaram à costa Atlântica no dia 20 de Novembro. A maré de lamas tóxicas precorreu mais de 500 quilómetros de curso de rio, deixando atrás de si um rasto de destruição de consequências difíceis de contemplar.
Uma reportagem fotográfica da revista americana The Atlantic oferece um testemunho doloroso daquele que é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, sabendo-se agora que o despejo poluente contém níveis elevados de metais pesados tais como o mercúrio e o arsénico.



O jornal brasileiro O Tempo produziu um mini-documentário sobre a devastação causada por este crime ambiental, focando-se nas perspectivas futuras de todos aqueles que dependem directa e indirectamente do rio para a sua sobrevivência. O pequeno filme é também um retrato da tragédia humana que se soma ao desastre causado ao meio ambiente, dando conta do desalento daqueles que hoje pouco mais podem fazer do que contemplar a paisagem arruinada do rio, agora praticamente morto.

O Estado Brasileiro accionou entretanto um processo judicial sobre a empresa responsável pela exploração mineira de Mariana, a Samarco, propriedade de dois gigantes da indústria de mineração: a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Em causa está uma indemnização que poderá ascender a 5.2 mil milhões de dólares, destinada a ressarcir as vítimas e compensar o esforço de recuperação ambiental necessário para minimizar o impacto da extensa vaga de poluição. Certo é que os efeitos sobre o ecossistema ribeirinho do Rio Doce e na vida marinha da zona oceânica atingida serão devastadores.



A tragédia do Rio Doce ficará como um aviso aterrador dos efeitos da exploração predadora dos recursos naturais pelo Homem. Em causa está, por um lado, o predomínio de influência de grupos empresariais multinacionais sobre o poder político – tão rápido a ignorar os riscos em benefício da miragem de ganhos de curto prazo. Na verdade, consórcios como aquele que detém a Samarco estabelecem-se pressionando os poderes públicos a assegurar um enquadramento legal favorável, blindando-se juridicamente de responsabilidades perante as consequências de um eventual mas previsível acidente.

A isto somam-se as fragilidades das estruturas de supervisão estatal, demagogicamente rotuladas de custo injustificável, num tempo em que ascende uma agenda agressiva em prole da auto-regulação dos agentes económicos. Tal doutrina mais não tem favorecido do que a desregulação de normas de salvaguarda – por exemplo, no domínio do licenciamento ambiental – a preceito de uma suposta eficiência e um crescimento mais rápido da economia.
Eis a lição trágica que fica do desastre ambiental que assolou o interior de Minas Gerais; um caso que nos confronta com as fragilidades de um modelo de desenvolvimento que ignora, tantas vezes, os finos equilíbrios do meio natural em que vivemos, e os pesados custos que tal pode fazer recair sobre todos e, como sempre, em particular, sobre os cidadãos mais pobres e mais vulneráveis.

Referências:
1. BBC: Brazil dam toxic mud reaches Atlantic via Rio Doce estuary;
2. The Guardian: Arsenic and mercury found in river days after Brazil dam burst;
3. The Guardian: Brazil dam burst: environmental crisis reaches Atlantic – in pictures;
4. The Guardian: Brazil to sue mining companies BHP and Vale for $5bn over dam disaster;
5. The Atlantic: Photos of the Red Sludge That Smothered a Town in Brazil;
6. The Atlantic: Red Sludge From Brazilian Dam Collapse Reaches the Atlantic;
7. O Tempo: Um Adeus Ao Rio Doce;
8. O Tempo: Nascentes Da Esperança;
9. O Tempo: O Desastre De Todos Os Tempos.

Peter Zumthor: Different Kinds of Silence



Entrevista muito recente de Peter Zumthor ao Louisiana Channel. O arquitecto Suíço fala do seu percurso pessoal, desde a sua infância aos estudos na cidade de Nova Iorque, abordando inúmeros aspectos do seu processo de trabalho e da sua forma de encarar a vida.

In a recent interview with the Louisiana Channel, Swiss architect Peter Zumthor talked about his personal journey, from the early days of childhood to his studies in NYC, sharing insights into his work process and his thoughts on life and architecture.

A tragédia do Rio Doce (1/2)



No passado dia 5 de Novembro duas barragens de contenção de resíduos de uma exploração mineira situada na região de Mariana, município do estado brasileiro de Minas Gerais, colapsaram, libertando 50 milhões de metros cúbicos de lamas contaminadas que se espalharam ao longo de mais de 500 quilómetros da bacia hidrográfica do Rio Doce – o quinto maior do Brasil.
O verdadeiro tsunami criado pela enxurrada descontrolada de resíduos provocou estragos incalculáveis e ceifou um número ainda incerto de vidas humanas.


Vídeo: Expedição documenta desastre ambiental em Mariana (MG). Via Greenpeace Brasil.

Para os habitantes de muitas povoações ribeirinhas situadas na extensão da bacia do Rio Doce, a única solução é o abandono. Em Bento Rodrigues, a vila mais próxima das estruturas colapsadas, as lamas movediças consumiram casas e colheram vidas humanas, deixando atrás de si um rasto de devastação sem fim à vista.
Segundo vários geólogos e engenheiros do ambiente, os danos causados por um evento desta magnitude poderão levar muitas décadas ou talvez mesmo séculos a serem revertidos. A perda de biodiversidade e a extinção de algumas espécies endémicas é já uma certeza. Trata-se do maior desastre ambiental da história do Brasil.



Fontes oficiais referem que as lamas resultantes da produção de minério de ferro não apresentam nenhum elemento químico perigoso para a saúde, sendo compostas principalmente por óxido de ferro e areia. No entanto, a Greenpeace Brasil e outros especialistas independentes vêm denunciando que se tratam de resíduos contaminados por metais pesados como o arsénio, mercúrio e chumbo, altamente nocivos para o meio natural e para o homem.
Certo é que a contaminação do sistema hidrográfico da região deu já origem a uma situação de emergência sem precedentes, estimando-se que mais de meio milhão de pessoas estará sem acesso a água potável. É a morte de um rio e, com ele, de todo um modo de vida.


Vídeo: Rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana-MG.

Perante um crime ambiental desta magnitude importa interrogar como foi possível conviver com tamanha bomba relógio de poluição, com a complacência dos responsáveis políticos e das autoridades do país. Mas notícias mais recentes dão conta da existência de outras estruturas de contenção de resíduos semelhantes, igualmente em risco de derrocada, podendo antecipar um desastre de dimensões ainda maiores do que aquele verificado até agora. Será possível?
Ficam, abaixo, várias ligações a artigos que dão conta do enquadramento desta terrível catástrofe ambiental, incluindo diversos vídeos com o testemunho directo do sucedido.



Referências:
1. The Guardian: Brazil's slow-motion environmental catastrophe unfolds;
2. Reuters: Brazil mining flood could devastate environment for years;
3. Jornalistas Livres: Tsunami de Lama, Drama Invisível;
4. Jornalistas Livres: Entre o luto e a saudade: um panorama do maior desastre ambiental do Brasil;
5. Jornalistas Livres: As Minas destruíram Gerais;
6. Jornalistas Livres: Minas de tristeza;
7. Deutsche Welle: Full impacts from Brazil's largest environmental disaster still not known;
8. The Ecologist: Tailings dam breach - The assassination of Brazil's fifth largest river basin;
9. Wikipedia: Rompimento de barragens em Bento Rodrigues.
10. YouTube (vídeo): Desastre ambiental em Mariana (MG) - pt II (Greenpeace Brasil);
11. YouTube (vídeo): Desastre Ambiental: Barragem Soltando Milhões de Litros com Lama;
12. YouTube (vídeo): Enxurrada de Lama Destrói Mariana a Barragem Rompeu!;
13. YouTube (vídeo): Rompimento da barragem de Mariana-MG Rio Doce;
14. YouTube (vídeo): Testemunho de Everton Rocha (Engenheiro Ambiental).

E por falar em cagarras…



Vale a pena descobrir o novíssimo sítio web do Atlas das Aves Marinhas de Portugal criado para a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves pelos nossos amigos da we are boq.
Este belo atlas online dá a conhecer as espécies de aves marinhas e costeiras que habitam as águas portuguesas, compilando informação muito completa quanto à sua distribuição e movimentos migratórios, bem como das características dos seus habitats e das principais ameaças que se colocam à sua presença.

O Atlas das Aves Marinhas de Portugal é o resultado de um extenso trabalho de investigação e apuramento de dados recolhidos ao longo de oito anos de embarques para realização de censos marinhos (a bordo) em toda a ZEE nacional, cinco anos de censos costeiros em pontos estratégicos da costa continental (pontos RAM), e um censo nacional de aves costeiras invernantes na costa não estuarina portuguesa (Projeto Arenaria). Este projecto, que envolveu mais de 150 observadores, aborda a situação de 65 espécies de aves em meio marinho de forma pormenorizada e para a totalidade do território nacional.



Para as 50 espécies consideradas como principais, o presente atlas reúne informação detalhada sobre a sua distribuição, movimentos e fenologia; abundância e evolução populacional; ecologia e habitat e ameaças e conservação. Para estas espécies são apresentados mais de 500 mapas de modelação ou distribuição de espécies por época do ano e região geográfica.
A presente obra compila ainda informação sobre aspetos históricos da ornitologia marinha em Portugal e conservação deste grupo de aves no nosso país, apresenta por linhas gerais a composição e dinâmica das comunidades de aves marinhas nidificantes e não nidificantes em território português, suas colónias de reprodução, e refere alguns aspetos sobre ecologia deste fascinante grupo de aves.


Um testemunho do trabalho de investigação levado a cabo pela ornitologia marinha portuguesa que é, de igual modo, uma forma de dar a conhecer esse universo fervilhante de vida que constitui o azul oceânico do mapa, ricamente povoado por incontáveis seres vivos em movimento ao longo das estações, e que incessantemente nos maravilham.

Tempos pouco científicos



Preocupa-me que, à medida que nos vamos aproximando do novo Milénio, a pseudo-ciência e a superstição possam parecer, com o passar dos anos, cada vez mais tentadoras, e o canto de sereia da falta de razão mais sonora e atrativa.

– Carl Sagan, «Um Mundo Infestado de Demónios: A Ciência Como Uma Luz Na Escuridão», Edições Gradiva, 1997 (1ª Edição).

Poucas são as vozes que vêm reflectindo sobre a passividade da classe política perante esse cilindro compressor de cultura em que se tornou o fenómeno televisivo – o crítico de cinema João Lopes é, entre nós, uma das raras excepções. É nesse panorama de silêncio e complacência generalizada, em que a televisão vai instituindo formas de entendimento do mundo fundadas na pré-formatação do pensamento e no preconceito estético, que também a Ciência se vai tornando numa das suas trágicas vítimas.

Parecem assim confirmar-se os receios que Carl Sagan exprimiu relativamente a este novo Milénio; um tempo vulnerável à ascenção da pseudo-ciência e da superstição, perdendo-se a compreensão da importância da Ciência como instrumento essencial para a sustentação de uma sociedade democrática.
Em boa verdade, a televisão tornou-se hoje o palco apoteótico da decadência do pensamento científico. Canais generalistas de televisão dedicam horas de emissão a programas de astrologia e “consultas” de tarot. Nos canais de “documentários” do cabo somos brindados com uma parafernália de programas de ocultismo e casas assombradas, videntes que falam com os mortos, visitas de extraterrestres e caçadas a figuras míticas como o abominável homem das neves. O prospecto é desanimador.



Uma das lições mais tristes da História é esta: se tivermos sido enganados durante o tempo suficiente, tendemos a rejeitar qualquer evidência do embuste. Deixamos de estar interessados em descobrir a verdade. O engano capturou-nos. É simplesmente demasiado doloroso reconhecer, até para nós próprios, que fomos ludibriados. A partir do momento em que entregamos o poder a um charlatão sobre nós mesmos, dificilmente o teremos de volta. Assim, o velho engano tende a persistir, enquanto outros despontam.

– Carl Sagan, «Um Mundo Infestado de Demónios: A Ciência Como Uma Luz Na Escuridão», Edições Gradiva, 1997 (1ª Edição).

Aspecto paradoxal nestes tempos pouco científicos em que vivemos: que à generalização da pseudo-ciência tenha correspondido também a instituição da mais indigente forma de tecnocracia. Exemplo disso é o modo como a informação económica se reveste tantas vezes de um risível exercício de “psicanálise dos mercados”, despojado de qualquer profundidade analítica. Na Economia, como em tantos outros campos de actividade intelectual, os especialistas deixaram de ser pensadores da complexidade do mundo para desempenharem apenas uma função na construção de visões sectárias da realidade. Afinal, no tempo sempre curto da televisão não há lugar à análise; tudo é síntese.

Momento superlativo dessa degradação do pensamento encontramos, como não podia deixar de ser, no próprio campo de debate político. Não está em causa o entendimento pueril de julgarmos que duas pessoas com a mesma informação chegam necessariamente às mesmas conclusões”. Na verdade, como nos disse Carl Sagan, a Ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor de que dispomos. A esse respeito, como em tantos outros, é um pouco como a Democracia. (…) A Ciência convida-nos a deixar os factos entrar, mesmo quando estes não se conformam com os nossos pressupostos.
Aconselha-nos a considerar hipóteses alternativas na nossa mente e verificar qual é aquela que melhor se enquadra com os factos. Confronta-nos com o balanço difícil entre estarmos incondicionalmente abertos a novas ideias, por mais heréticas que possam parecer, e o mais rigoroso escrutínio céptico de tudo – tanto das novas ideias como da sabedoria estabelecida. Este tipo de pensamento é também um instrumento essencial para uma Democracia num tempo de mudança
.

Citação no texto: «Why We Need To Understand Science», The Skeptical Inquirer Vol. 14, Issue 3, 1990.

O estranho caso de Shia Labeouf



O presente é um sintoma do nascimento gémeo do imediatismo e da obsolescência. Hoje, somos tão nostálgicos como somos futuristas. A nova tecnologia permite-nos experimentar e actuar simultaneamente sobre os eventos de uma multiplicidade de posições. Longe de assinalar o seu fim, a emergência das redes facilita a democratização da história, iluminando os caminhos bifurcados através dos quais grandiosas narrativas poderão sulcar o aqui e o agora.

Luke Turner, «Metamodernist Manifesto».

Um actor sentado na plateia de uma sala de cinema na baixa de Manhattan durante três dias, visualizando todos os filmes em que participou, em ordem cronológica inversa. Uma câmara apontada a si transmitindo em directo para a internet, em directo para o mundo. A indiferença, o cansaço, as gargalhadas, as lágrimas.
Espectadores vêm e vão aleatoriamente, entrando e saindo do cinema. Lá fora, o passa a palavra das redes sociais começa a motivar uma extensa fila de curiosos. As sessões são gratuitas, limitadas apenas à lotação da sala. Para os que entram não existe qualquer obrigação de sair. Podem ficar durante quinze minutos, ver um filme inteiro ou acompanhar a maratona cinematográfica até ao fim.

Ocasionalmente, o protagonista da experiência levanta-se e sai. Num momento, depois de longos esgares de explícito enfado perante um dos seus filmes, ergue-se para se ir deitar no corredor de acesso, ao fundo da sala. Alguns espectadores lançam sobre o seu corpo adormecido olhares de interrogação.
Noutros momentos a sua face preenche-se de emoção. Risos, lágrimas, olhares de profunda nostalgia, silêncios. Durante uma ausência, um casal de duas jovens senta-se, uma ao colo da outra, numa cadeira um pouco atrás. Olham para a câmara. Riem-se. Depois, uma delas, de cabelo verde, escreve ou desenha algo numa folha de papel e deposita-a na sua cadeira vazia, como mensagem, antes de sair.

Há algo de fascinante em #ALLMYMOVIES, uma nova experiência social de Shia Labeouf, fruto da sua colaboração artística com o grupo Labeouf, Rönkkö & Turner . Os mais cínicos dirão que se trata de mais um artifício sensacionalista em busca de exposição gratuita. Mas parece-me que encontramos ali um homem à procura de si próprio, depois de uma fase de declínio pessoal, sob a luz implacável dos holofotes mediáticos. Um homem que decide confrontar-se com o seu trabalho à vista de todos, sem filtro, sem máscara.
Possa este espírito desalinhado superar os fantasmas que o têm atribulado nestes anos, da dependência e da violência, para ocupar o lugar que o seu talento e o seu carisma tanto merecem.

Não pensar sai caro




Pouco mais de meio século separa estas duas vistas sobre a baixa de Albufeira – partilhadas através do Facebook. Nelas podemos observar o início da edificação da encosta, em meados da década de 1950, e a actual ocupação e impermeabilização do território antigamente afecto ao leito de cheia.

Um excelente artigo do engenheiro de ambiente Aurélio Nuno Cabrita, publicado no jornal regional Sul Informação, dá-nos conta da história conturbada da cidade onde tiveram lugar inundações com alguma intensidade nas décadas de 40 e 50 do século XX.
No mesmo jornal, o arquitecto paisagista Gonçalo Gomes reflecte sobre a ocupação desregrada do território daquela bacia hidrográfica, com índices muito elevados de impermeabilização, a par com o sub-dimensionamento e deficiente manutenção das infraestruturas de drenagem. Perante um cenário de forte carga, como aquele vivido no passado fim-de-semana, esta combinação adversa de factores revelou-se a receita para o desastre.

Importa ter presente que o cenário trágico que ali se verificou tem causas humanas – e que as responsabilidades ao Homem devem ser atribuídas. Em primeiro lugar, ao somatório de erros de ocupação do território durante várias décadas, fruto da ausência de uma cultura de planeamento e do laxismo de administradores locais, levados a reboque pela voragem imediatista da construção civil.
Depois a jusante, porque conhecendo-se bem as fragilidades consolidadas e os graus de perigo presentes, se conseguem ignorar os riscos durante anos ou décadas a fio, à espera da calamidade. Que ninguém se atreva a encolher os ombros como se de uma fatalidade se tratasse – e que ninguém permita que um político o faça. Estes problemas têm solução: faça-se o diagnóstico de toda a bacia hidrográfica, estabeleça-se um plano de drenagem adequado às solicitações presentes e ponha-se em prática.

É muito caro? Sim. Mas como nos permitimos levar a cabo operações de urbanismo cosmético, ascendendo a dezenas de milhões de euros, sobre territórios com tal vulnerabilidade, sem começar por abordar as carências infraestruturais que os afligem?
Não pensar sai caro – e somos nós todos que pagamos, nos nossos impostos, os prejuízos do luxo da ignorância. Como voltaremos a pagar agora, uma vez mais.

Conhecendo os constrangimentos orçamentais em que vive a maioria dos municípios portugueses, em especial no interior do país, sem acesso aos grandes programas de dita requalificação promovidos pelo Estado e quase sem acesso aos fundos europeus, ver um Polis levado literalmente por água abaixo é, perdoem o desabafo, difícil de suportar.

Lá em cima





A sonda Cassini, orbitando presentemente sobre Saturno, captou estas imagens de Enceladus, a sua enigmática lua gelada. Aproximando-se a apenas 50 quilómetros da superfície, a sonda registou os detalhes extraordinários da textura lunar deste peculiar mundo alienígena. Estas imagens foram recebidas pela NASA no passado dia 28 de Outubro. Via The Antikythera Mechanism.

Quando os jogos contam histórias



No início de 2012, David Cage, director e argumentista da produtora francesa de videojogos Quantic Dream, revelou uma curta metragem de apresentação de um novo motor gráfico híper-realista em desenvolvimento pela sua equipa. Tendo lugar num futuro próximo, KARA dava a conhecer uma andróide que experienciava emoções humanas durante a sua construção numa linha de montagem.

A intrigante tech-demo, que contava com a interpretação da actriz americana Valorie Curry, revela-se agora como a base para um novo jogo intitulado Detroit: Become Human. Reencontramos assim Kara despertando para a consciência numa Detroit futurista, dominada por tensões sociais emergentes, aprendendo a viver entre os humanos e enfrentando os desafios da sua condição anómala.



Este novo trabalho de David Cage não deixará de relançar o debate, recorrente na comunidade dos videojogos, que parte de interrogar a validade deste meio enquanto veículo para a expressão narrativa. Devem os videojogos servir para contar histórias? E será que a presença de narrativas diminui o objecto do jogo?
São discussões que têm tantas vezes como ponto de partida uma visão redutora quanto a esta nova plataforma de expressão cultural entendida literalmente enquanto “jogo” – definição que se afigura hoje obsoleta tendo em conta a diversidade de manifestações que nela têm lugar.

Não se trata de argumentar que todos os videojogos devem ser impulsionados por uma história. Os jogos podem ser bons quer tenham uma dimensão narrativa ou não e, de igual modo, a presença de uma boa história não implica necessariamente que se esteja na presença de um bom jogo. Mas os videojogos, enquanto veículo de criatividade e ficção, têm vindo a revelar-se muito mais do que um mero exercício de progressão.
Está assim em causa um entendimento limitado do próprio conceito de “jogabilidade”. A função do jogo, poderia invocar-se, consistiria apenas em estabelecer barreiras ao jogador. Superando essas barreiras, o participante progride e, transpondo todos os obstáculos, “ganha”.



Uma tal leitura choca naturalmente com objectos centrados na exposição narrativa, seja através da manipulação de graus variáveis de liberdade – como encontramos em Heavy Rain ou, mais recentemente, em Life is Strange – ou tão só a partir de um percurso de descoberta e revelação – tal como em Dear Esther, The Stanley Parable ou Gone Home.

É neste interessante campo de debate que a produtora Quantic Dream tem vindo a ocupar um lugar central, explorando novas soluções de interface para envolver o jogador com a acção presente no ecrã. A função principal da jogabilidade não será assim, necessariamente, “ganhar”, mas também “sentir”. A interacção está lá para convocar a empatia e produzir uma conexão mais profunda, emocional, da própria experiência do jogo.



Apesar de resultados inconstantes, os trabalhos de David Cage, têm procurado desafiar os limites da interactividade e o papel dos videojogos enquanto suporte para contar histórias. As suas obras são uma reinvenção sofisticada do género de aventura gráfica point-and-click que se tornou tão popular durante a década de noventa, assente na progressão narrativa, no mistério e na resolução de quebra-cabeças. Mas as suas experiências pretendem igualmente convocar o jogador a confrontar-se com a necessidade de fazer escolhas capazes de moldar o curso de uma história, sem que se afigure o que esteja certo ou errado, por vezes mesmo sem a pendência de um game over. O que sabemos é que cada escolha tem consequências e que, porque escolhemos, e porque essas escolhas irão determinar o destino da nossa viagem, tudo se torna definitivo.

Aí reside a maior beleza destes exercícios. O facto de, tal como na vida, o jogador ser confrontado com a necessidade de prosseguir o seu rumo, para lá de tudo, carreando consigo as implicações das suas acções, dos sucessos e dos fracassos, sabendo que estes irão impactar a cadeia de eventos que se seguirá.
A fórmula é arriscada e nem sempre isenta de limitações. Em Beyond: Two Souls tornavam-se evidentes os artifícios em que assentava a aparente liberdade do jogador – em particular para aqueles que experimentassem desviar-se do caminho pré-determinado pela narrativa. Eis um jogo que implora pela colaboração voluntária dos participantes e que, não encontrando reciprocidade, vê desmoronar o seu realismo.



Ao contrário do que sucede nos filmes, os videojogos são manifestações abertas que permitem ao jogador tornar-se participante e director da própria experiência através de graus variáveis de interactividade e liberdade. No entanto, cada escolha que o jogador faz dentro do perímetro daquela ocorrência é determinado pela visão e pelos parâmetros definidos pelos seus criadores. A interactividade é uma parte integral da estrutura do jogo, tal como o seu design conceptual, a sua música, a sua história.

Detroit: Become Human irá certamente convocar uma nova reflexão sobre as potencialidades e as fragilidades da exposição narrativa e do hiper-realismo cinemático – agora abeirando-se dos limites do paradigmático uncanny valley . Será incapaz de superar os condicionalismos sentidos no passado ou conseguirá David Cage conjugar as liberdades próprias do território do jogo com as virtualidades do mais clássico storytelling? – eis a interrogação que fica enquanto aguardamos pelo lançamento deste promissor projecto de ficção científica com a chancela da Quantic Dream.

Filmar o infilmável



Este texto contém spoilers sobre o filme Interstellar de Christopher Nolan.

Um dos traços da genialidade de 2001: Odisseia no Espaço reside na supressão de explicações para os factos que nos dá a ver. Kubrick não faz concessões ao espectador em benefício da contextualização ou da apreensão mais ampla da sua estrutura narrativa.
Tal não significa que não exista uma lógica inerente aos eventos que convoca. Significa apenas que, na perspectiva humana de tais acontecimentos, a compreensão está para lá da vivência primeira dos seus mistérios.

Na verdade, como nos revela o livro de Arthur C. Clarke publicado no mesmo ano de 1968, existem explicações objectivas e consistentes para o segredo dos monólitos – instrumentos de origem extraterrestre que supervisionam a evolução de novas espécies em planetas dispersos do cosmos – ou para a viagem onírica de Dave no capítulo final da história. Aquilo que muitos tomavam como representação alegórica ou simbólica traduzia a dificuldade em abarcar o encontro com forças e poderes maiores do que o alcance da compreensão pelo Homem. O filme de Stanley Kubrick é assim, por essa mesma razão, muito mais abstracto do que o livro que serve de complemento à sua narrativa.

Em contraponto, talvez o maior defeito de Interstellar seja a necessidade persistente de explicar o que está a acontecer ao espectador. Tratando-se de uma obra claramente inspirada naquele clássico de Kubrick, terá faltado a Christopher Nolan a lucidez para subtrair explicações ao invés de as aditar, a cada passo, em exercícios de repetida exposição. Será porventura reflexo da vontade de validar para o exterior a sólida substância científica que lhe serve de base e que resulta do contributo de Kip Thorne, especialista em física teórica do reputado California Institute of Technology, enquanto consultor do filme.

Sendo Interstellar resultado de um trabalho profundo de consolidação científica na sua representação de conceitos limite como os buracos negros e os wormholes, o filme assenta num trabalho visual que, nos seus melhores momentos, conjuga a grande ciência com uma inspirada arte conceptual. No entanto, fica no ar a interrogação se não seria melhor deixar esses momentos discorrerem, na sua plenitude artística, despojados dos fundamentos teóricos que os sustentam.

Uma das ideias mais interessantes que o filme elabora consiste na especulação em torno de um evento de cinco dimensões. O conceito tem uma base simples. Habitamos uma realidade física de três dimensões onde somos livres de aceder, em teoria, a qualquer ponto do espaço. A estas soma-se uma quarta dimensão: o tempo. Nesta última, no entanto, estamos presos a um ponto fixo – o presente – estando-nos vedada a possibilidade de movimento, em qualquer direcção, seja para o passado ou para o futuro.

O que aconteceria então se pudéssemos, por um instante, transcender para uma outra dimensão onde fosse possível deslocarmo-nos através do tempo, com a mesma liberdade com que nos deslocamos no espaço. É esse o conceito a que o filme dá corpo através do intrigante Tesseract – uma construção desenhada por seres que transcenderam as quatro dimensões da realidade humana, tornando-se capazes de apreender a integridade do tempo no Universo.

É viajando no Tesseract que Cooper, um dos cosmonautas da expedição ao buraco negro de Gargantua, consegue percorrer um ponto do espaço através do tempo – agora transformado numa dimensão física não linear – e assim comunicar com o passado. A ideia é engenhosa e revela-nos Interstellar em toda a sua grandeza; que a arte se revela a melhor forma de explicar ciência, sem que fossem precisas palavras, apenas dando corpo à abstracção daquele profundo mistério.

Apesar das suas fragilidades narrativas, Interstellar é uma das grandes obras de ficção científica desta década e um filme que ficará na história do género, para discutir e revisitar durante muitos anos.

O malogro grego



O fim-de-semana decisivo das negociações do terceiro resgate grego, entre os dias 10 e 13 de Julho de 2015, ficará para sempre gravado na história do projecto europeu. Não resisto a partilhar aqui a ligação para a excelente investigação jornalística levada a cabo pelo The Guardian (via Tudo Menos Economia) documentando a crónica desses dias mais longos em que Wolfgang Schäuble e Angela Merkel subjugaram a Grécia com a conivência da generalidade dos líderes europeus; ler Three Days That Saved The Euro.

Como complemento igualmente fundamental, vale a pena ler uma entrevista do jornal online francês Mediapart a um consultor sénior do governo grego que acompanhou os cinco meses de negociações entre Atenas e os credores internacionais – uma história digna de um filme ao melhor estilo de Oliver Stone; ler 'We underestimated their power': Greek government insider lifts the lid on five months of 'humiliation' and 'blackmail'.

Finalmente, fica também a ligação para o registo da conferência de Yanis Varoufakis que teve lugar no passado dia 17 de Outubro, num evento organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; ver Democratising the Eurozone (vídeo).

Onde pára o futuro?



A chegada do dia em que Marty McFly visitou o futuro a bordo de um DeLorean voador – a 21 de Outubro de 2015 – foi motivo de celebração planetária na internet. O fenómeno dá conta da enorme popularidade que o Regresso ao Futuro conquistou ao longo de três décadas, tornando-se num verdadeiro objecto de culto entre os fãs da ficção científica.

Muitos dos artigos publicados ao longo do dia de ontem dão conta das semelhanças e das diferenças entre esse futuro imaginado em 1989 – o ano de estreia do segundo capítulo da série – e o presente. Tratando-se de exercícios divertidos de comparação entre a realidade e a ficção, podem no entanto fazer esquecer alguns aspectos importantes quanto às origens e à natureza do sub-género de ficção científica a que BTTF pertence.

A trilogia criada por Robert Zemeckis tem na sua origem a tradição da sci-fi fantasista que se popularizou nos Estados Unidos, a partir dos anos trinta do século passado, com a emergência de revistas e almanaques com histórias sobre temas como as viagens ao espaço e a visita de extraterrestres. É um género de ficção científica que conheceu o seu apogeu durante a década de 1950 com a procura crescente do público pelo entretenimento cinematográfico, fomentando a produção de filmes de Série B e dando origem a fenómenos televisivos como The Twilight Zone e Outer Limits.

Regresso ao Futuro não deixa de fazer referência directa a esse património cultural através da figura de George McFly, o pai de Marty, que se revela autor do livro A Match Made in Space – considerado entre os mais aficionados do género como um dos mais famosos livros de ficção científica que nunca foram escritos.

Não sendo assim uma obra de especulação científica nem oferecendo uma prospectiva realista da vida no ano de 2015, não deixam de ser curiosas as proximidades entre a visão imaginada neste clássico da década de oitenta e o mundo em que vivemos. É certo que à primeira vista as diferenças são notáveis: não temos carros voadores, não usamos resíduos orgânicos como combustível, os boletins meteorológicos não acertam as suas previsões ao segundo e estamos ainda longe de inventar os skates anti-gravitacionais. Mas é no sub-texto, para lá da superfície, que as coisas se tornam interessantes.

Regresso ao Futuro fala-nos de um 2015 onde o maravilhamento das hiper-tecnologias coexiste com formas pouco perceptíveis de disfuncionalidade social. A casa do envelhecido Marty Mcfly é um lugar onde se convive com uma profusão de gadgets e artefactos tecnológicos, com generosos ecrãs de televisão e sistemas de vídeo-conferência. No entanto, os seus filhos parecem viver absortos nos seus óculos de realidade aumentada – tal como hoje sucede com tantas famílias subjugadas pela profusão de smart-phones e tablets, em que todos parecem conviver isoladamente juntos.

Também o bairro suburbano de Hilldale, onde se situa a casa de sonho de Marty, se revela um lugar estranhamente decadente, falando-nos do empobrecimento da classe média e da suburbanização da pobreza. O futuro de Back to the Future é, afinal, um lugar de profunda contradição, não tão distante assim do mundo que hoje tão bem conhecemos.

Quando saímos da sala de cinema nesse glorioso ano de 1985 cheios de vontade de vestir um colete vermelho, ligar o leitor de cassetes portátil e envergar óculos Ray-Ban espelhados, estávamos longe de imaginar que o ano tão distante de 2015 seria, ao mesmo tempo, tão diferente e tão próximo daquilo que a sétima arte era capaz de inventar.

Pântano mediático


Image credits: Ben Zank.

O mais interessante de vivermos uma crise verdadeira é revelarem-se aspectos do mundo que são, em condições normais, difíceis de vislumbrar. Um deles é a forma como a hiper-mediatização de tudo intoxica a política.

Os media criaram todo um modo de interpretação da realidade e, naturalmente, também daquilo que faz parte do processo político. Um desses mecanismos é a ideia da política como um processo competitivo que tem a sua exaltação nos períodos eleitorais. Jornalistas, comentadores e actores partidários interrogam-se sobre quem vai à frente e atrás nas sondagens. Quem ganhou e quem perdeu o debate. E, como corolário dessa espécie de corrida de galgos, quem ganhou e quem perdeu as eleições.

Sucede que as regras do sistema político, assentes em pressupostos com lastro histórico que muito antecede a era da hiper-mediatização e do "corporate media", não partilha desses pressupostos. E sucede também, como devia ser evidente para todos, que a democracia é defendida pelas regras do sistema político, e não pelas regras do mundo mediático.

Não vale sequer a pena retomar os termos do famigerado artigo 187 da Constituição da República Portuguesa. Mas importa sublinhar que não existe nada naquela Constituição que estabeleça como se apuram "vencedores" e "derrotados" nos processos eleitorais. O que há é a consagração de um quadro parlamentar que resulta da expressão do voto dos cidadãos. E esse quadro dita as circunstâncias em que o processo político e legislativo pode e deve prosseguir.

Se há, aliás, algo que esta crise demonstra é mesmo a superioridade da democracia como sistema capaz de resolver momentos de acentuado conflito e de crise. É mesmo para isso que serve a democracia. E se o risco do "pântano" político existe, ele está em não deixar que os mecanismos próprios do sistema funcionem.

Que o destino de um dos mais críticos momentos da Democracia Portuguesa esteja nas mãos do mais inábil Presidente que a República já produziu é uma das ironias da nossa História. Certo é que aquilo que a memória histórica ditará sobre este Presidente se vai definir pelas decisões que tomará nas próximas semanas ou meses. E que, depois desta crise, nada ficará exactamente como era antes.

Uma história simples



A maioria dos portugueses que irá votar no dia 4 de Outubro não saberá o que é o "quantitative easing". Como não estará a par dos efeitos da intervenção do Banco Central Europeu na compra de títulos de dívida pública, em mercado secundário, a partir de 2012. No entanto, a actuação do BCE está no centro daquilo que distingue a situação portuguesa, no início e no fim desta legislatura.
Os títulos de dívida pública portuguesa atingiram juros recorde, acima dos 10%, em 2011. Hoje o país consegue emitir dívida a juros inferiores a 3% e até a 2%. Alguém está interessado em saber porquê?

Uma história simples será dizer que o país reconquistou a sua credibilidade junto dos "mercados". Mas, como nos lembrava há poucos meses Philippe Legrain, o produto interno regrediu na ordem dos 7,5%, o crescimento é débil, o desemprego é elevado (traduzindo-se numa redução real do número de empregos e do número de empresas em actividade), a emigração atinge valores sem precedentes (da ordem dos 400.000 portugueses em quatro anos, muitos deles, como sabemos, jovens qualificados). A isto acresce que, entre os empregos que se perderam e os que se ganharam, ocorreu uma perda de rendimento do trabalho. E, pior, a dívida pública não diminuiu, mas aumentou.

Ou seja, não estamos hoje menos falidos do que há quatro anos. A grande diferença é que hoje o país consegue financiar-se a juros mínimos, nos mesmos mercados que tanto nos castigaram no início da legislatura. Porquê?
Porque o BCE levou a cabo uma política de intervenção nos mercados de dívida, comprando numa primeira fase títulos em mercado secundário, e, numa segunda fase, levando a cabo uma gigantesca operação de "quantitative easing". O que é isso?

O "quantitative easing" é um processo de criação de dinheiro pelo BCE, que ascende a valores da ordem de 1,2 biliões de euros, para compra de títulos de dívida pública que estavam na posse dos bancos.

Ao fazê-lo, o BCE introduziu uma enorme pressão negativa nos juros dos títulos de dívida da zona euro (exceptuando a Grécia que não foi coberta pelo programa), e transformou esse "imobilizado" dos bancos em reservas novamente disponíveis.
Ou seja, não só produziu uma enorme baixa nos juros, como permitiu que os bancos tivessem dinheiro disponível para emissão de crédito novo na economia. Algo que os cidadãos e as empresas começam igualmente a sentir, e que alguns traduzem numa conclusão simples: a economia está melhor.

A primeira interrogação que nos devíamos colocar reside em saber, afinal, porque é que o BCE só levou a cabo a sua estratégia de "quantitative easing" em 2015, sabendo-se que os Estados Unidos iniciaram esse processo em 2008 e o Reino Unido em 2009. Tivesse a Europa e o BCE contrariado a tendência especulativa dos mercados mais cedo e talvez países como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, tivessem sido poupados aos efeitos destrutivos que esse fenómeno trouxe às economias destes países.

Mas a Europa fez aquilo que costuma fazer perante os problemas, traduzido na expressão bem conhecida de “dar o pontapé na lata pela estrada fora”. Preferiu, afinal, alhear-se da necessidade de levar a cabo uma acção defensiva da especulação financeira sobre os títulos de dívida dos países mais vulneráveis da zona Euro, substituindo-a pelo conjunto de políticas recessivas que hoje tão bem conhecemos.

A conclusão, infelizmente, é ainda pior. As pequenas melhorias que sentimos, traduzidas em indicadores parcelares e selectivos, estão longe de ser estruturais. São simplesmente o efeito da acção conjuntural do BCE, de que o "quantitative easing" é apenas um corolário. Alterando-se as condições agora presentes, por mudança de orientação da política europeia ou por efeito de uma crise externa, seremos novamente confrontados com as nossas fragilidades de sempre, agora agravadas pelo empobrecimento que nos deixaram estes anos de austeridade.

Mas talvez muitos eleitores prefiram uma história simples. Afinal de contas os juros estão mais baixos, os bancos já emprestam dinheiro e o deve e haver da taxa de desemprego até está a melhorar. O pior já passou. E hoje à noite dá futebol.

A última floresta de Takashi Amano



Florestas Submersas é o título da exposição temporária patente no Oceanário de Lisboa. No centro da instalação encontra-se um notável aquário com cerca de 40 metros de extensão – considerado o maior nature aquarium do mundo – criado pelo mestre japonês Takashi Amano, entretanto falecido.

A obra retrata a paisagem dos cursos de água das florestas tropicais, evocando a simplicidade e a grandiosidade da natureza. A experiência convida os visitantes a reflectirem sobre a urgência da conservação e preservação dos ecossistemas aquáticos, continuamente ameaçados pela actividade humana. A exposição é acompanhada por uma orquestração criada por Rodrigo Leão especificamente para o evento, servindo de complemento perfeito à atmosfera imaginada pelo seu autor.



Aos 61 anos, Amano era mundialmente reconhecido como o precursor do aquapaisagismo. Tornou-se mestre internacional da aquariofilia de água doce com a criação de um estilo próprio de aquários plantados, os "nature aquarium". A sua notável arte procurava interpretar a natureza, combinando técnicas de jardinagem japonesas com o conceito wabi sabi, promovendo o encontro da beleza com a simplicidade e a imperfeição. Takashi Amano viajou pelas maiores florestas tropicais do mundo retratando a harmonia das paisagens e florestas pristinas. O aquascaper japonês acreditava que, ao prestar atenção à natureza, podemos perceber melhor o nosso mundo e aprender a preservá-lo.

Via Oceanário de Lisboa. Créditos de imagem: Pedro A. Pina, via RTP e Público.

A mortalha do amor



Este texto contém spoilers sobre o filme Like Crazy de Drake Doremus.

Que um filme carregado do mais belo romantismo seja, ao mesmo tempo, uma obra terrivelmente anti-romântica, eis o paradoxo com que nos confronta Like Crazy. Lançado em Portugal com o enganador título Loucamente Apaixonados esta é a história de dois jovens adultos, Anna e Jacob, ele americano e ela inglesa, que se apaixonam.

Realizado por Drake Doremus em 2011, na altura com menos de trinta anos de idade, este é um trabalho independente com produção de baixo orçamento fortemente assente na entrega de dois jovens actores então em ascenção: Felicity Jones e Anton Yelchin. Construído a partir de um argumento pouco rígido, enfatizando a improvisação em muitos dos gestos e dos diálogos, o filme resulta da cumplicidade do par principal, envolto pela extraordinária música para piano de Dustin O'Halloran. É fácil perdermo-nos na magia poética presente no olhar de Doremus e acreditarmos, como acreditam Jacob e Anna, na força daquele amor.



Mas há muito mais em Like Crazy do que a repetição dos muitos clichés do género romântico. Estamos perante uma obra de invulgar maturidade que nega uma qualquer visão pueril do amor puro e purificado. Pelo contrário, trata-se de observar a contaminação desse mesmo amor pelas muitas externalidades inevitáveis que a vida acabará por trazer: seja pela distância ou pela dor da separação, pelos mal-entendidos, pelos erros, pelo ressentimento ou tão só pela prevalência do pragmatismo.

Vêmo-los enfrentar os atritos que desafiam a sua ligação profunda. Partilhamos com eles o desejo do reencontro com a magia daqueles primeiros tempos, que Jacob e Anna continuarão a perseguir até ao fim. É por isso tão mais dolorosa a sua resolução; que o amor afinal se desvaneça sem catarse, sem conflito, sem discussão, revelando-se tão só um lugar a que possa ser impossível verdadeiramente regressar.
Eis um filme que nos convida a questionar a natureza complexa do amor, da sua força e da sua fragilidade, da construção e da desconstrução dos afectos perante as adversidades inevitáveis da vida adulta.

Lá em cima



Pôr-do-sol em Plutão. A imagem agora revelada pela NASA foi captada pela sonda New Horizons durante a sua passagem junto ao planeta-anão, a apenas 18.000 quilómetros da superfície, no dia 14 de Julho deste ano. Via Kottke.

Pano de fundo



Children of Men: Don’t Ignore The Background é o título do mais recente ensaio vídeo do canal YouTube Nerdwriter. Partindo da análise do filme dirigido por Alfonso Cuarón em 2006 o autor apresenta-nos as múltiplas dimensões da construção de uma narrativa aparentemente linear, tomando como ponto de partida a inter-relação entre o primeiro plano e o pano de fundo. Muito mais do que a reflexão sobre um filme, está em causa a dificuldade em abarcar a compreensão da realidade a partir da circunstância individual da nossa experiência de vida.

De certa forma, aquilo que nos é contado a partir de um objecto cinematográfico transporta-nos para a nossa relação com o mundo através dos mídia. Não é alheio a esse debate a prevalência da imagem na bipolarização de opiniões, nos meios de comunicação e nas redes sociais, como temos assistido, por exemplo, a propósito do fenómeno dos refugiados na Europa.
Não se trata de desprezar a pertinência das imagens na consolidação de um entendimento do mundo que nos rodeia, em toda a sua complexidade. Mas importaria ter presente – em particular aqueles que deviam defender a dimensão mais nobre do jornalismo – que as imagens não devem servir para promover uma "dramatização informativa" que negligencie uma tradução profunda dos dramas mais vastos em que se inscrevem.

Como vem referindo João Lopes nas reflexões que vem partilhando a propósito do papel da comunicação social e, em particular, da televisão, estamos perante um panorama de afunilamento mediático em que parece persistir "a vontade totalizante de colocar o mundo inteiro a ver o mesmo ao mesmo tempo”. É no confronto com esta realidade que a direcção de Cuarón se revela um documento particularmente didáctico, ao afastar-se recorrentemente da narrativa de primeiro plano para nos revelar o subtexto da envolvente mais ampla com que, mais cedo ou mais tarde, as suas personagens estarão condenadas a confrontar-se. Fala-nos, no fundo, de algo tão próximo da nossa condição contemporânea, num momento em que a História nos parece bater à porta.



Neste tempo em que, por demasiadas vezes, certas imagens são elevadas a essa condição simbólica, valerá a pena relembrar o modo como Michael Moore foi capaz de “mostrar” o drama vivido no dia 11 de Setembro de 2001 através dos terríveis sons captados nas proximidades das torres gémeas, confrontando os espectadores das salas de cinema com longos minutos de ecrã negro. Paradoxalmente, enquanto os mídia informativos vão promovendo o recurso à imagem como exaltação de um “registo da verdade”, o cinema continua a afirmar-se como instituição capaz de nos convocar para uma compreensão interior desse mundo lá fora, tão difícil de apreender.

“Direita é rigor” e outras histórias



Naquela que é a dimensão económica do debate político a direita conquistou um território determinante ao fazer passar uma ideia muito simples: “direita é rigor”; a esquerda pode ser idealismo, lirismo, poesia e bons sentimentos, mas para grande parte do público é sinónimo de falta de rigor e ausência de realismo.

A ascensão desta ideia teve como pano de fundo o desencanto dos cidadãos para com a Política, por um lado, e a forma hábil como a direita foi adoptando uma linguagem de formulação técnica e de aparência apolítica. As ideias passaram a sustentar-se não como produto de vontades mas em função da sua validade académico-científica. Assim, também o debate transitou do campo do confronto das ideias para se dirimir no plano da construção da própria realidade. E é essa “realidade” – de que tão bem nos fala Pacheco Pereira – que é fabricada laboriosamente todos os dias por comentadores e consultores de comunicação que, nas televisões, nos jornais, nos blogues e nas redes sociais, trabalham o desfile selectivo de índices parcelares e variações homólogas que pincelam o pequeno quadro do mundo que lhes importa relevar, ignorando tudo o que não tem lugar nas suas narrativas.

Em boa verdade, o predomínio do económico no debate político acabou por favorecer uma profunda iliteracia económica junto da opinião pública. Uma iliteracia fundada em ideias simples, de “senso comum” que “todas as pessoas percebem”. Que fazem sentido no mundo do dia-a-dia mas que são absurdos no mundo real da política monetária e financeira.
Comentadores que falam de economia com metáforas da economia familiar, da dona de casa que gere bem o lar, de que não se pode gastar mais do que se ganha. “Isto é uma coisa que toda a gente percebe!”.

Dizer que “quem não paga as dívidas é caloteiro” (como dizia em entrevista Marinho e Pinto há alguns meses) todos compreendem. É uma ideia que passa numa frase. Explicar que vivemos num sistema financeiro em que o dinheiro é criado sobre a forma de crédito já demora cinco ou dez minutos. É preciso fazer referências, citar documentos, para a partir daí ponderar sobre uma complexa teia de implicações que nada tem de senso comum.

Explicar o que foi a expansão monetária das últimas quatro décadas e a bolha exponencial do crédito da década pré-2008 demora outro tanto. Como dá trabalho explicar o absurdo que leva países em regime de moeda fiduciária a submeterem-se a financiamento exclusivo junto da banca privada, ou do absurdo de uma Europa cujo banco central se permite insuflar 1.2 biliões de euros em quantitative easing para o interior do sistema financeiro privado, mas que para alavancar um plano (Juncker) de estímulo económico obriga os países a financiarem-se junto da banca comercial, através de emissão de mais crédito, logo com aumento de dívida pública ao sector privado.

O “rigor” e o “realismo” que nos impõe a corrente política dominante da Europa tornou-se afinal uma repressão do pensamento, uma submissão a uma construção que nada tem de lógico ou racional, uma construção que é apenas uma de muitas alternativas possíveis. Um sistema distorcido pela desregulação financeira, que perverteu as regras do próprio capitalismo e subjugou a sociedade ao poder financeiro, através da dependência do crédito como base do seu modelo de crescimento.

A Europa que se nos revelou nas últimas semanas só pode deixar tranquilos aqueles que vivem na “realidade” dessa iliteracia. Aquilo a que assistimos foi ao cair de uma máscara, deixando a descoberto a verdadeira face do poder. E ficámos a saber – se dúvidas ainda persistissem – que a União Europeia é uma estrutura que defenderá, a qualquer preço, o mesmo sistema financeiro que gerou monstruosas bolhas de endividamento, de que foi o principal beneficiário.
Os cidadãos podem falir, as nações podem falir, mas os bancos não. Para as pessoas e até para os países não há risco sistémico. Afinal, “se um sair, ficam dezoito”.

Está escrito nos tratados: “A União é fundada nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do primado da lei e do respeito pelos direitos humanos”. Ao lermos hoje estas palavras, não podemos deixar de ser invadidos por um profundo e doloroso desalento. E talvez um dia, mais cedo do que imaginamos, sejamos confrontados com essa pergunta: como foi possível destruir tanto por tão pouco, em tão pouco tempo.

Isto não é jornalismo


Image credits: Bobby Becker.

A célebre reportagem de José Rodrigues dos Santos sobre ”Os Gregos”, transmitida pela primeira vez em Janeiro deste ano, devia ser um caso de estudo para o jornalismo televisivo português. Trata-se de uma peça que enferma de diversos erros formais conhecidos no que respeita a um retrato fiel e rigoroso dos factos: falácias lógicas e truques de retórica que transmitem uma mensagem tão provocatória quanto perigosa.

O tom grave com que Rodrigues dos Santos dá início à peça cedo se dilui num relato maniqueísta da realidade, dando conta de diversos casos notáveis para elencar um retrato moral da sociedade grega. O primeiro exemplo dessa narrativa é-nos contado dando conta do suborno que “muitos dos Gregos” fazem a médicos corruptos de modo a obter uma declaração fraudulenta de invalidez para beneficiar de “mais um subsidiozinho”. A este seguem-se outros casos igualmente sensacionais tais como um programa estatal não quantificado de “férias para os pobres” ou as casas de Atenas com piscina não declarada para efeitos fiscais, para derivar numa conclusão mais abrangente sobre “os gregos”, “o povo da zona Euro que mais foge aos impostos”.

Aqui podemos testemunhar dois importantes mecanismos de retórica destinados a conduzir a audiência a uma conclusão pré-determinada. O jornalista começa por estabelecer um conjunto de cenários que envolve invariavelmente grupos minoritários de cidadãos para derivar, por correlação, na culpabilização da sociedade grega na sua generalidade. Trata-se de uma falácia de composição assente na presunção de que se determinados factos são verdade para uma parte de um todo, devem ser igualmente a verdade do todo.
Em segundo lugar encontramos uma falácia de falsa equivalência. Rodrigues dos Santos denuncia a corrupção e a evasão fiscal como causas centrais da crise económica grega, ignorando a complexa teia de factores que conduziu ao sobreendividamento do país na década anterior à crise. Também aqui estamos perante uma simplificação argumentativa em que se um fundamento é verdadeiro, nenhum outro tem de ser invocado.

A este respeito o jornalista acaba por desenvolver a sua argumentação “em directo”, com uma frouxa análise, referindo de passagem “o colapso do Lehman Brothers em 2007 que pôs a nu um conjunto de problemas, designadamente os problemas da arquitectura do Euro” – uma frase incompreensível enquanto tradução de um qualquer pensamento político-económico.
Mas Rodrigues dos Santos vai tão longe quanto justificar que “o que a Troika diz é vocês têm um bolso roto e nós estamos a dar-vos dinheiro, e o bolso está roto de onde o dinheiro desaparece logo. Vocês têm de coser o bolso e, portanto, se nós parármos de fazer pressão vocês vão parar de fazer reformas”. Aqui entramos já no domínio da opinião e de um pensamento político bem definido. Frases como “nós estamos a dar-vos dinheiro” ignoram grosseiramente a complexidade dos mecanismos financeiros que foram postos em prática pelo programa de intervenção externa da Troika e os fins a que se destinaram. De igual modo, sobre aquilo que se entende por reformas e sobre os seus resultados, nada é dito.

Prossegue depois para o discurso da culpabilização: “Os Gregos defendem que a Europa é que tem de resolver os problemas. Não lhes cabe a eles resolver estes problemas. (…) Eles entendem que, embora reconheçam que hajam problemas sérios na economia do seu país, não são eles que têm de fazer o esforço para os resolver. Tem que ser a Europa a resolver tudo por artes mágicas”. Seria interessante podermos ouvir o testemunho directo d'"os gregos" que defendem este ponto de vista.
O ponto final do discurso odioso de Rodrigues dos Santos revela-se em pleno na sua conclusão final: “E sobre a pobreza na Grécia é importante acrescentar uma coisa. A Grécia é um país que é mais pobre do que Portugal, mas onde as pessoas durante muitos anos ganhavam mais do que em Portugal”- uma argumentação que prossegue na linha mais básica do incitamento à inveja, alheia ao enquadramento geopolítico do país e à situação laboral que hoje se vive.

Em tudo isto podemos encontrar tácticas bem conhecidas de distorção informativa que devem ser denunciadas. Estamos afinal perante um testemunho que contribui para pintar um quadro genérico junto da opinião pública, representando os gregos como os vilãos de uma história de modo a validar um juízo moral maniqueísta, do bem contra o mal, que legitima a intervenção punitiva sobre um país, independentemente das consequências – e de quem as sofre. De resto, quase tudo aquilo que ali é revelado poderia ser dito, com exemplos mais ou menos próximos, sobre nosso país. Os leitores do Bild haveriam de gostar.

Diz que é um programa sobre economia



A Cor do Dinheiro, “programa semanal de debate sobre assuntos económicos e financeiros” da RTP Informação, dedicou o seu ultimo episódio ao tema da subida de preços no imobiliário. O jornalista e apresentador Camilo Lourenço deu a conhecer o enquadramento do tema interrogando-se sobre os eventuais efeitos da recuperação económica, da disponibilidade de emissão de crédito por parte da banca, da influência do turismo ou do interesse dos cidadãos estrangeiros em adquirir imóveis em território nacional.

Tendo como ponto de partida um diálogo com um consultor na área do imobiliário, o programa é um caso exemplar da superficialidade com que o fenómeno da construção é tratado nos meios da especialidade. De todo omisso está um olhar abrangente sobre a natureza sistémica que a crise de 2007/2008 teve sobre este sector da economia, em particular quanto aos mecanismos financeiros que sustentaram a evolução excepcional que se registou em Portugal desde 1970.
Igualmente ausente está uma qualquer reflexão sobre os efeitos que a injecção de liquidez resultante do programa de quantitative easing levado a cabo pelo BCE está a operar na banca comercial, favorecendo a valorização de activos no domínio imobiliário – a partir do qual poderíamos reflectir sobre a sustentabilidade da subida de preços enquanto reflexo de um efectivo crescimento económico.

Temos assim um diálogo travado com a desenvoltura própria dos “homens do meio”, um patamar acima de um vendedor de automóveis e muitos furos abaixo de um qualquer pensamento académico-científico sobre economia. Somos brindados com um chorrilho de lugares comuns, do país de brandos costumes – “que dá para controlar” (sic) – e do bom clima, culminando numa visão optimista assente em considerações dignas da sabedoria à Futre. Ao que parece estão a vir charters de Chineses da China para comprar casa em Portugal por causa desse grande pilar estratégico do nosso crescimento económico que são os vistos Gold.

De passagem, o consultor Pedro Santos refere um aspecto que vale a pena reter: em Lisboa, a procura de imóveis para investimentos no domínio da reabilitação parece estar a exceder a oferta disponível. Este facto devia motivar uma reflexão profunda, que fica igualmente por fazer, por dar conta do efeito que a paralesia do mercado da construção pode estar a ter no aumento do preço dos imóveis – revelando-nos, afinal, que tal fenómeno pode não decorrer de uma efectiva vitalidade do mercado mas antes dos efeitos inflacionários da compressão da oferta.
A verificar-se, estaremos a confundir com retoma aquilo que poderá não passar de uma distorção de preços, impeditiva para o seu ajustamento em baixa, lesiva para o futuro da economia da construção – aspecto particularmente grave para a aposta tão necessária no domínio da reabilitação urbana.

Sobre este tema ler também: Alguns dados para compreender a crise da construção em Portugal, A layer zero da arquitectura e do urbanismo (pensamentos sobre a criação de dinheiro e o problema das cidades) e Uma história de sobreaquecimento da economia.